A Associação Atlética Ponte Preta é uma agremiação esportiva brasileira da cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo. Foi fundada em 11 de agosto de 1900 por um grupo de estudantes e suas cores são preto e branco.
É o time mais antigo do estado de São Paulo e o segundo clube mais antigo do Brasil, sendo também um dos times pioneiros do futebol nacional a contar com jogadores negros em seu elenco, o que então destoava do elitismo do esporte em seus primórdios no Brasil. Conhecido popularmente como “Macaca”, o time atua em seu próprio estádio, o Moisés Lucarelli, com capacidade para 17.728 espectadores. Seu maior rival é o Guarani, com quem faz o Dérbi Campineiro, uma das maiores rivalidades do futebol paulista e do futebol brasileiro.
A Ponte é uma das equipes mais tradicionais do futebol brasileiro e é o clube do interior paulista que mais cedeu jogadores para a Seleção Brasileira em Copas do Mundo. Revelou grandes craques como, Dicá, Oscar, Carlos, Polozzi, Juninho, Manfrini, Sabará, Ciasca, Nenê Santana, Chicão, Nelsinho Baptista, Waldir Peres, Fábio Luciano, André Cruz, Brigatti, Alexandre Negri, Luís Fabiano, Adrianinho, Aranha, entre outros.
O clube possui conquistas e grandes campanhas a níveis municipais, estaduais, nacionais e internacionais, como seus 10 títulos campineiros (1912, 1931, 1935, 1936, 1937, 1940, 1944, 1947, 1948, 1951), 6 títulos do Campeonato do Interior (1927, 1951, 2009, 2013, 2015, 2018), 1 Taça dos Invictos (1970), 7 vices do Campeonato Paulista (1929, 1970, 1977, 1979, 1981, 2008, 2017), 3° lugar no Campeonato Brasileiro (1981), 3° lugar na Copa do Brasil (2001) e vice-campeã da Copa Sul-Americana (2013), além do título na Divisão Especial de Acesso (1969) e 2 vices no Campeonato Brasileiro Série B (1997 e 2014).
Na “Era dos pontos corridos”, fórmula de disputa que entrou em vigor a partir de 2003, a Ponte é o clube do interior com melhores resultados sendo: participante em 9 temporadas, com a maior pontuação nas 9 edições acumuladas (432 pontos), melhor classificação ao final da competição (8º lugar em 2016), mais vitórias (114 no total) e o time interiorano que mais liderou a competição (9 rodadas). No Ranking da CBF a “macaca” ocupa a 21ª posição com 6.694 pontos, sendo o quinto clube paulista melhor colocado no Ranking Nacional de Clubes. De acordo com a empresa BDO, que avalia anualmente a marca dos clubes brasileiros, a Ponte possui a 20ª marca mais valiosa do país, avaliada em 50,4 milhões de reais.
História
A Ponte que deu origem ao nome do bairro e ao time hoje se encontra pichada.
O clube se orgulha em ser a 1ª democracia racial do futebol brasileiro, tendo no início de sua história negros, brancos, pardos, operários, imigrantes e ferroviários.
O surgimento da Ponte Preta está diretamente ligado ao crescimento e desenvolvimento da cidade de Campinas. Por volta de 1860, o bairro que hoje abriga a sede da Ponte Preta era conhecido como Bairro Alto, que se estendia desde o Largo do Tanquinho (hoje Largo do Pará).
“ A Ponte Preta vem a ser o quê, digam? É a ponte, a ponte do trem,
que liga o Brasil ao mundo inteiro onde o céu é de cor bem anil.
Essa ponte leva de Campinas ao mar, ao mundo,
A Ponte Preta é nacional e internacional (…) ”
— Os Brasilíadas (ed. Botequim de Idéias, 2001),
escrita aos “500 anos de Brasil,
2.000 anos de Cristo,
100 anos a A.A. Ponte Preta“ .
Em 1870, deu-se início à construção da Ferrovia Paulista, indo de Jundiaí a Campinas. A instalação dos trilhos requisitava a construção de uma ponte. A ponte era de madeira, e para melhor conservação, tratada com piche. Assim, enegrecida, surgiu a Ponte Preta (Tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Campinas através da resolução n.34 de 26 de abril de 2001 transformando-se também num “bem de interesse arquitetônico, histórico e urbanístico” da cidade). A partir daí, a região em torno da ponte virou o Bairro da Ponte Preta, em 1872.
Miguel do Carmo. O primeiro negro do futebol brasileiro a jogar por um clube. Também foi um dos fundadores da Ponte Preta.
A Associação Atlética Ponte Preta (fundada como “Associação Athletica Ponte Preta” devido a forma de escrita da época) surgiu em 1900, graças a vários alunos do Colégio Culto à Ciência, que praticavam futebol no bairro da Ponte Preta, sendo portanto o time em atividade mais antigo do estado de São Paulo e o segundo clube mais antigo do Brasil.
Os fundadores do clube naquele 11 de agosto do ano de 1900 eram: Miguel do Carmo, Luiz Garibaldi Burghi, Antonio Oliveira (o Tonico Campeão), Alberto Aranha, Dante Pera, Zico Vieira e Pedro Vieira da Silva (1º presidente da história do clube).
No ano de 1910, existiam em Campinas os seguintes clubes de futebol: Gymnasio A.C., A.A. Ponte Preta, Americano F.C., Mogyana A.A., London F.C., A.A. Campineira, S.C. Operário e A.S. Palmeiras. Ao final da década, o único clube a continuar sua trajetória no mundo futebolístico foi a Ponte Preta.
Em 1912, a Ponte juntamente com mais seis clubes decidiram criar a Liga Operária de Foot-Ball Campineira, promovendo então o “2º Campeonato Campineiro de Futebol”, que teve como campeã a Associação Athletica Ponte Preta, vencendo o Guarany Futebol Clube na primeira grande decisão do Dérbi Campineiro, um dos clássicos mais conhecidos do país. Em 28 de fevereiro de 1935, em reunião na residência do até então presidente da Ponte Dr. Francisco Ursaia, surgiu a definitiva Liga Campineira de Futebol.
Campeã Campineira de 1944.
“ A Ponte para mim não é apenas um time de futebol. É o clube que eu amo e que levarei no coração para sempre. ”
— Adrianinho, meia .
Outro nome de grande importância para o time além dos fundadores, foi Moysés Lucarelli. Nascido em Limeira, dia 4 de Fevereiro de 1900 foi o grande líder e idealizador da construção do estádio que mais tarde recebeu seu próprio nome como homenagem. Desde a arrecadação de fundos para a compra do terreno até a famosa “Campanha dos Tijolos”, que arrecadou 250 mil tijolos em apenas dois meses no ano de 1946, Moysés (ou Moisés) sempre foi um exemplo para os sócios e torcedores na época.
Ele também foi com Roberto Gomes Pedroza e Gerolamo Ometo, entre poucos outros, o criador da Lei de Acesso no futebol paulista, em 1947, medida pioneira no futebol brasileiro e que foi implantada a partir de 1948.
Tradicional equipe do interior paulista, a Ponte teve suas conquistas regionais nas décadas de 30, 40 e 50, como seus 10 títulos campineiros e outros torneios. Mas foi a partir dos anos 70 que viveu seus melhores momentos, quando foi vice-campeã paulista em três oportunidades (1970, 1977 e 1979). Em 1981 o clube viveu o maior ano de sua história, foi campeã do primeiro turno paulista encima de seu maior rival Guarani, chegou mais uma vez a final do Campeonato Paulista e alcançando pela primeira vez as semifinais do Campeonato Brasileiro, encerrando sua participação em 3º lugar. Na década de 2000, a equipe teve um bom desempenho na Copa do Brasil de 2001, chegando às semifinais, e voltou a uma final do Campeonato Paulista (em 2008). O clube ainda conquistou 6 vezes o Campeonato Paulista do Interior (1927, 1951, 2009, 2013, 2015 e 2018). Em 2013, a Macaca tornou-se o primeiro e único time do interior de São Paulo a ser finalista de uma competição oficial organizada pela Conmebol, sendo vice-campeã da Copa Sul-Americana.
Ata de Fundação
Data de início da Companhia Paulista em 1872 e fundação da Ponte Preta em 1900. Essa data de 11 de agosto foi adotada pelos fundadores do clube, justamente para homenagear a inauguração da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Convite (frente e verso) do 1° aniversário do clube, em 1901.
“No dia 11 de agosto de 1900, em um terreno baldio, à sombra de duas paineiras, realizou-se uma reunião convocada pelos senhores Miguel do Carmo (Migué), Luiz Garibaldi Burghi (Gigette) e Antonio de Oliveira (Tonico Campeão), para tratar da fundação de um clube de futebol. Os três senhores, depois de explicar aos presentes que disputaram jogos desde outubro do ano passado para o Gymnasio e outros quadros que se arranjavam, precisavam organizar-se em sociedade para terem um club onde pudessem efetuar partidas com os demais, e ter jogadores sempre juntos. Todos apoiaram a ideia e prometeram ser defensores e sócios do club, pagando a mensalidade, e tudo fazerem para que a ideia fosse avante. Por proposta do senhor Luiz Garibaldi Burghi, o club deveria ter o nome de Associação Atlética Ponte Preta em homenagem ao bairro em que foi fundado. Essa proposta foi imediatamente aprovada por todos os presentes com grande salva de palmas. O senhor Miguel do Carmo propôs que a mensalidade fosse cobrada a razão de 300 réis. Depois de grande discussão, essa proposta foi aprovada. Com a palavra ainda o senhor Miguel do Carmo fez ver aos presentes que a tarefa da comissão que tinha convocado aquela reunião estava terminada, porquanto todos estavam bem e par da finalidade da mesma e propunha que a dita comissão fosse dissolvida, e que se nomeasse o presidente do clube e pedia aos presentes que concordassem com o nome do senhor Pedro Vieira da Silva para aquele cargo. Essa proposta foi aceita por todos os presentes com uma grande salva de palmas.
O tradicional escudo do clube foi criado em 1908, por João Burghi.
O senhor Miguel do Carmo pediu ao senhor Pedro Vieira da Silva que continuasse os trabalhos como presidente da nova Associação. Com a palavra o presidente eleito mandou que se fizesse a eleição dos outros cargo da diretoria e que foi eleita por aclamação, a seguinte diretoria: presidente: Pedro Vieira da Silva, secretario Alberto Aranha, o tesoureiro Miguel do Carmo, procurador Antonio de Oliveira, fiscal de campo Luiz Garibaldi Burghi. Pedindo a palavra o senhor Alberto Aranha propôs que todos os presentes fossem considerados sócios fundadores e os que se inscrevessem até o dia 31 de agosto tivessem as mesmas regalias. Essa proposta foi aprovada pelos presentes. Pedindo a palavra, o senhor Pedro Vieira da Silva pediu aos presentes que efetuassem com pontualidade os pagamentos de suas mensalidades, por ser preciso a compra de uma bola para poderem começar logo os seus jogos e disse, também, que o associado que tivesse em atraso em sem o respectivo recibo não podia treinar e tampouco tomar parte nos jogos. Pediu também aos presentes que indicassem quatro pessoas presentes para elaborar o regulamento da Associação. Foram indicados os nomes dos senhores Zico Vieira, Dante Pêra, Luiz Affonso e Alberto Aranha, que aceitaram a incumbência. Como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra, o senhor presidente deu por encerrada a reunião, tendo todos os presentes levantado vivas a nova Associação e aos diretores nomeados. Foi só o que se passou na primeira reunião da Associação Atlética Ponte Preta, da qual lavrei apresente ata, que dato e assino”.
Campinas, 11 de agosto de 1900.
Alberto Aranha
Ponte Preta: a emoção do futebol
Campinas se tornou aos poucos, o maior centro produtor e exportador de café do país. O desenvolvimento também ocorreu na Indústria, Política e Cultura.
Nos três anos que precederam a fundação da Ponte Preta, a cidade de Campinas era varrida pelos ventos da modernidade. E modernidade, no final do século XIX, era aquela máquina esquisita – encantadora e ao mesmo tempo apavorante – que chamavam de cinematógrafo. Um jato de luz jogado na parede de uma sala escura mostrava imagens fotográficas que se moviam. Era de arrepiar. Invenção que levava campineiros às pencas ao Teatro São Carlos.
E a cidade, naqueles idos, respirava cultura. Naqueles três anos, nasceram na cidade duas novas bandas, a Carlos Gomes e a Azarias Dias de Melo. Por aqui faziam temporadas grandes companhias teatrais – como a Cunha Sales, a Fauré Nicolai e a Lírica Verdini -, que apresentavam-se para a seleta platéia formada por barões do café, mulheres dos barões de café e filhos dos barões de café. Campinas era aristocracia pura. Pelo menos dentro do teatro.
Modernidade, naquela virada de século, também era a luz elétrica que brotava de um dínamo de 20 amperes, de corrente contínua, que iluminava a refinada Casa do Livro Azul, na Baräo de Jaguara. É, luz elétrica… A maior parte das casas campineiras – mesmo as mais sofisticadas – viviam de velas e lamparinas.
A arquitetura da cidade também mudava. Em 1898 – naquele mesmo ano do cinematógrafo e da luz elétrica – os engenheiros Edmundo Kerug, Antonio Raffin e Tito Martins Ferreira decidiram colocar abaixo o prédio da velha Cadeia Pública. Ele ficava no Centro, exatamente onde hoje está o monumento-túmulo de Carlos Gomes. E os nossos ladrões de galinha – que eram os marginais ousados daquela cidade inocente – foram transferidos para a nova cadeia, no Botafogo.
No ano seguinte, os trens já circulavam pelo ramal da Funilense, trazendo para o Mercado as sacas de grãos que eram colhidos lá pelas bandas do Funil (hoje Cosmópolis). As locomotivas eram o prenúncio do que estava por vir: as máquinas substituiriam as mãos.
Os meninos da Abolição
Pois nem todo campineiro andava preocupado com as óperas do teatro. Para um grupo de garotos de calças curtas, a maior transformação daquela virada de século era mesmo um esporte estranho que havia aportado na Capital pelas mãos de Charles Miller. Os meninos sabiam: seis anos antes daquele 1900, Miller – um filho de ingleses formado com toda pompa na Banis Court School de Southampton – já organizava na Várzea do Carmo, na Rua do Gasômetro, as primeiras partidas do foot-ball association.
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Em 1900, o futebol já era mania entre os paulistanos e já era praticado pelos associados de clubes como o Säo Paulo Athetic, o Internacional e o Germanya. No interior, só o Savoia, de Sorocaba, difundia a modalidade.
Em Campinas, aqueles meninos de calças curtas reuniram-se no começo da Rua Abolição, num descampado onde anos depois seria erguida a Escola Senai. Diz a lenda – a romântica lenda – que a assembleia aconteceu sob a sombra de duas paineiras, no dia 11 de agosto de 1900. Ali decidiram fundar um clube de futebol.
Faziam parte daquele grupo os garotos Miguel do Carmo, Luiz Garibaldi Burghi, Antonio Oliveira (o Tonico Campeäo), Alberto Aranha, Dante Pera, Zico Vieira e Pedro Vieira da Silva, que seria proclamado o primeiro presidente da Associação Atlética Ponte Preta.
Bolas de meia, traves de bambu
Time da Ponte em 1918. Guilherme, Amparense, Wath, Tonico Campeão, Vargean e João Fernandes. Alberto Aranha, João Ribeiro, A. Lopes, Lili e Chico Duarte.
Que os ponte-pretanos tirem da cabeça a imagem do Estádio Moisés Lucarelli. O Majestoso não existia nem em sonho. As primeiras partidas do association eram travadas em rapadões onde a molecada esfarelava os joelhos. Pés no chão mesmo, com direito a homéricas topadas de dedão e a chutes que deixavam as canelas repletas de manchas roxas.
A bola de couro – aquela autêntica, com câmara de ar e tudo – era um adereço desconhecido pela rapaziada. Jogava-se com bolas de meias e panos. E as traves – traves, o que é isso? – eram representadas por uma armação de bambus e ripas roubadas na construção mais próxima.
A primeira bola de verdade, inglesa, custou 10 mil réis e foi comprada em São Paulo. O dinheiro veio das mensalidades dos associados: 300 réis por cabeça. E o primeiro uniforme foi doado por um incentivador da garotada, José Giacomelli. Como o bondoso José não entendia nada de futebol – que, como vimos, era um esporte completamente desconhecido no Interior -, trouxe onze camisas idênticas. Esqueceu que o goleiro precisava de um uniforme diferente. Foi o mesmo benemérito Giacomelli que financiou, do próprio bolso, as primeiras redes que ornamentaram as traves (ou melhor, os bambus).
Mas a penúria que a garotada enfrentou naquele tempo não importa. Importante é saber que aquela abençoada reunião sob as paineiras da abolição fez nascer a Ponte Preta. Há 118 anos, os amantes do futebol agradecem, emocionados.
Rogério Verzignasse – Correio Popular, 1998.
Democracia racial
Tributo a Miguel do Carmo
Os primeiros times da Ponte Preta congregava jogadores que residiam no Bairro da Ponte Preta, região marcada pela presença de operários, ferroviários, mascates e imigrantes.
Autor: Jorginho Araújo
Quando o “lundú” foi chegando e aqui ficou
Quando o “maxixe” era a arte de sinhô
Quando o Brasil despediu do imperador,
E os negros cantaram em seu louvor
Com um novo amanhã que se sonhou
Dançar e jogar capoeira nas esquinas
Marcou na história de “Campinas”
Quando um time de bola começou,
Sem preconceito a “Ponte” iniciava
Em sua camisa já brilhava
O preto e o branco com amor.
“Miguel do Carmo” fundador,
diretor e jogador o trem de ferro,
Na linha do tempo assistiu,
A democracia praticou a Ponte Preta abraçou
O primeiro negro no primeiro time do Brasil!
Música inspirada na história de vida de Miguel do Carmo, nascido em 1885 em Campinas, afro descendente, com apenas 15 anos de idade foi um dos fundadores da Associação Atlética Ponte Preta. Além de fundador, também foi diretor e jogador. Ao lado dos amigos, Pedro Vieira, Tonico Capitão, Burghi, entre outros. Ponte Preta e Miguel do Carmo tiveram importância fundamental na afirmação da democracia que marcou a história no início do século XX, ele foi o 1° negro a vestir a camisa da gloriosa Ponte Preta, firmando as cores, preto e branco, como suas cores oficiais.
O primeiro negro no futebol brasileiro
Foto da Carteira Funcional da Companhia Paulista. Miguel do Carmo nascido em 10 de abril de 1885, funcionário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro entre 1898 até 1925, registro 6.551, aposentado como guarda de trem, terceira classe.
Miguel do Carmo, nascido em Jundiaí no dia 10 de abril de 1885, segundo fiscal de linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em Campinas no fim do século XIX.
Seria só mais um dos que se empolgaram com o futebol, esporte que havia chegado recentemente ao país, não fosse um detalhe que, para a época, era bem mais que um detalhe: a cor de sua pele.
Negro, nascido três anos antes da abolição da escravatura no país, Miguel do Carmo se tornou o primeiro descendente de africanos a jogar futebol por um clube brasileiro quando ocupou sua posição de “centre-half” nas partidas iniciais da história da Ponte Preta, logo após a fundação da equipe em 1900.
A situação era impensável no fim daquele século e começo do próximo. Os times que praticavam o futebol no Brasil eram de clubes da elite branca. Alguns deles tinham regras que proibiam explicitamente a presença de negros em seus quadros.
Arthur Friedenreich, um dos maiores atletas da era amadora do futebol, filho de pai alemão e mãe negra, alisava os cabelos crespos antes de entrar em campo.
Até hoje, o Vasco é reconhecido por alguns como primeiro a superar o preconceito no país, por ter conquistado um título carioca com negros em 1923, assim como o Bangu por outros, com negros no time desde 1905. No caso específico do Vasco, em 1923, chocou o Rio ao vencer Flamengo, Botafogo e Fluminense, clubes da elite carioca, e conquistar o campeonato local com um time formado, principalmente, por negros e mulatos.
Outros apontam o Bangu, também do Rio, como o primeiro a aceitar um jogador negro, ao ter o apoiador Francisco Carregal no meio-campo de seu time de 1905.
Ambos são citados pelo jornalista Mário Rodrigues Filho no livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, publicado em 1947.
“O Miguel jogou pela Ponte Preta até 1904, quando foi transferido pela Companhia Paulista para Jundiaí”, conta o historiador José Moraes dos Santos Neto, responsável pela pesquisa que pretende realinhar a cronologia da participação de negros no futebol. Além disso, porém, pouco se sabe a respeito dele.
“Quando começamos a documentar o início da Ponte, tínhamos as escalações dos times. Mas ninguém sabia quem era branco ou negro. Então fomos atrás, família por família”, explica Santos Neto, que encontrou apenas um documento de Miguel do Carmo: uma carteira de registro, com foto, de seu emprego como ferroviário.
Há, inclusive, a suspeita de que outros jogadores daquele time de 1900 fossem descendentes de africanos.
“Desconfio que o Alberto Aranha também fosse. Havia duas famílias Aranha em Campinas, uma no [bairro] Ponte Preta (Campinas), de negros, e outra no Cambuí (Campinas) [região nobre]“, diz o historiador.
“Pode ser parente do Benedicto Aranha, um contador negro que atuou no clube a partir de 1908″, completa.
Campeã Campineira de 1937.
A falta de certeza se dá pela pouca documentação encontrada. Os jornais ignoravam o novo esporte. “A imprensa só começa a cobrir o futebol em 1908, quando há uma tentativa frustrada de criação de uma liga competitiva”, explica Santos Neto.
Relegado até agora, Miguel do Carmo não muda o meio ou fim de uma história que inclui Leônidas e Pelé. Mas dá a ela um novo início.
O berço ponte-pretano foi decisivo para que jogadores negros tivessem oportunidade de defender as cores do time de Campinas logo nos primeiros anos de sua existência, quando essa interação racial era proibida em outras associações esportivas. O clube nasceu no bairro que lhe dá nome e que, na época, era morada de população operária, formada basicamente por chacareiros, artesãos e ferroviários.
Era natural, então, que a maior parte dos entusiastas que participaram das primeiras atividades da agremiação estivesse nessa camada de trabalhadores braçais. “A linha do trem, propositadamente, separava os bairros operários [como o Ponte Preta] do centro e da elite”, explica o historiador José Moraes dos Santos Neto. “A maioria dos moradores negros da vila eram funcionários da ferrovia”, diz ele. Foi por ali que o futebol chegou à cidade, por meio de um imigrante escocês chamado Thomaz Scott, engenheiro da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A proximidade com os imigrantes permitiu aos negros da região que o preconceito fosse deixado de lado no momento de participarem das partidas disputadas nos campos improvisados. “Em Campinas não havia uma sociedade tão elitista e fechada como nos clubes sociais de São Paulo e do Rio”, conta o diretor e curador do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo. “A cidade tinha uma comunidade negra muito grande”, completa.
Isso, porém, não evitou que a equipe fosse hostilizada por conta da grande presença de negros e mulatos no time e entre os torcedores. Nos estádios em que a Ponte Preta se apresentava como visitante pelo interior do Estado, era comum ser recebida com os gritos de “macacos” e “macacada”. A torcida, entretanto, preferiu transformar as ofensas em apelido e adotou a macaca como mascote do clube.
“Entre os torcedores da Ponte existe de tudo: mulheres, crianças, negros, mulatos”, enumera Santos Neto. “Houve uma mistura entre a elite e o povão, uma quebra da hierarquia social. Na hora do gol, o médico abraça o cara que construiu o consultório dele”, diz o historiador. “Essa é uma característica do futebol que é ainda mais marcante na Ponte.
Tentativa de reconhecimento pela FIFA
O clube enviou carta para a entidade máxima do futebol, FIFA em 2003.
A Ponte Preta pretende capitalizar com o reconhecimento do que chama de “primeira democracia racial”, por aceitar jogadores negros em seus quadros desde os jogos iniciais de sua história de mais de 100 anos. O ambiente misto da fundação da Ponte Preta ajudou a superar o preconceito e quer ser reconhecida por colocar em campo o primeiro negro do futebol brasileiro.
Em 2003 foi enviada uma carta à Fifa, informando a entidade sobre a participação de Miguel do Carmo no time formado após a fundação da equipe, em 1900. O retorno, em forma de congratulações, não foi considerado suficiente pela diretoria. O clube voltou a procurar a entidade que comanda o futebol mundial em busca do reconhecimento oficial e foi instruído a montar um dossiê completo sobre o jogador para que os documentos possam ser avaliados.
Em 2006 foi enviado outro documento de grande importância pelo historiador José Moraes dos Santos Neto formado na PUC e Unicamp, que colaborou e muito para relatar de descrever com detalhes a história da Ponte Preta desde a sua fundação. Porém a FIFA mais uma vez pareceu não dar grande importância ao fato de reconhecer e divulgar a Ponte como o 1º clube do Brasil e do Mundo a colocar em campo um jogador afro-descendente.